terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pelada da Esquerda F.C visita Quilombo de Santana no dia da Consciência Negra

No último dia 20, Dia da Consciência Negra, o Pelada da Esquerda F.C. esteve, como convidado para uma partida, no Quilombo de Santana, em Quatis (interior do RJ) e o volante do time Augusto Júnior escreveu um belo texto sobre este dia.

"De quando em vez uma palavra ou outra entra na moda. Já ouvi muito por aí aquelas palavrinhas que parecem dizer mais do que realmente se propõem a dizer. Pelego daqui, reaça dali, petralha acolá, todas têm o seu momento de fama.

Resistência, acredito eu, é uma daquelas palavras que entraram na moda para nunca mais sair. Resiste-se a tudo nos dias atuais: os jovens de São Paulo resistem bravamente em lindíssima ocupação (não é invasão!) ao criminoso intento do Alckmin de fechar as escolas públicas, as instituições de ensino federais resistem a duras penas ao indecente corte orçamentário do Joaquim Levy, o futebol alternativo resiste às imposições do futebol-negócio moderno e por aí vai.

No que tange ao câncer que foram os 350 anos de escravidão de pretos africanos e crioulos no Brasil, a palavra resistência é quase sempre remetida aos quilombos, verdadeiras fortalezas encravadas nas matas brasileiras, objetivo último de 10 entre 10 escravos que, violentados por um sistema que o fez propriedade, arriscavam a sua vida ao fugir do jugo dos seus senhores. No entanto, no samba Nosso Nome Resistência, Nei Lopes nos mostra que aquilombar-se, ao contrário do que muitos imaginam, não era a única forma de não se submeter as agruras da escravidão:

“... teatros, fundos de quintais, candomblés
blocos, jongos, afoxés
assim também se resiste...”

Foi essse o verso que não me saiu da cabeça quando ouvi os tambores e os berimbaus na porta da igreja do Quilombo de Santana, em Quatis, onde o Pelada da Esquerda fez jogo amistoso contra o time de amigos do quilombo, nesse 20 de Novembro, dia da consciência negra.

Vi ali meninos e meninas, velhos e crianças com a pele escura como a noite lá fora, sorrindo com o rosto inteiro exibindo, num festejo sem distinção de cor, a sua dança, sua música e seu rítimo tal e qual faziam os seus ancestrais aos pés daquela mesma igreja.
O fim do jogo amistoso com o placar de 8 a 5 pro time local, não significou o fim da nossa odisséia em Quatis. O quilombo de Santana nos reservava mais. O que deveria ter sido apenas um passeio para conhecer as famílias da comunidade tornou-se uma estadia na varanda mais musical do quilombo. Seu João e aquele sorriso que se recusa a abandonar o seu rosto, nos recebe na porta com uma felicidade contagiante.

- Olha, cês fique à vontade, viu? Tem café, tem bolo. Quer leite? Tem um queijinho ali na geladeira. Quer?

E não parava mais de trazer cadeiras pra varanda. Já sabia, de certo, da quantidade de crianças que viriam pra ouvir a sua sanfona e o cavaquinho do Pedrinho. Tudo ali era muito simples, muito verdadeiro, apenas o essencial. A casa era mero detalhe bem no meio da sua roça onde a batata, mandioca, milho, banana, laranja, limão, abacaxi entre muitos outros destinam-se a subsistência das famílias do entorno.Não há comércio nem agrotóxico. Só há vida. Mas a roça do seu João, com tantos víveres, tem um limite. É só uma cerquinha de arame farpado que a separa dos olhos gananciosos dos fazendeiros locais e do seu desejo de se apropriarem do que não é seu e nem nunca será.

Seu João e o Quilombo de Santana resistem. Resistem à ambição da agroindústria e seus modernos capitães do mato travestidos de fazendeiros. Resistem a um Estado que ignora a sua existência e assim os condenam ao esquecimento, o lado frio da História.
Entre causos e calangos do nosso anfitrião sanfoneiro, ensaiamos por duas vezes, sem sucesso, a partida antes de irmos de fato. Foi difícil sair dali. Ainda deu tempo de uma confissão:

- Olha, aqui nessa terra só não dá o que não se planta. Cê tá vendo aquela bananeira lá em cima? Foi meu pai que plantou. Eu não deixo ela morrer mais é nunca!

O futebol levou o Pelada da Esquerda num chão onde resistir não é apenas mais um verbo da moda. No quilombo de Santana resistir é mais que preciso. Naquela terra onde tudo o que se planta dá, vida e resistência são uma coisa só.

Viva o Quilombo de Santana!
Avante, Pelada!"




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