"De quando em vez uma palavra ou outra entra na moda. Já ouvi muito por aí aquelas palavrinhas que parecem dizer mais do que realmente se propõem a dizer. Pelego daqui, reaça dali, petralha acolá, todas têm o seu momento de fama.
Resistência, acredito eu, é uma daquelas palavras que entraram na moda para nunca mais sair. Resiste-se a tudo nos dias atuais: os jovens de São Paulo resistem bravamente em lindíssima ocupação (não é invasão!) ao criminoso intento do Alckmin de fechar as escolas públicas, as instituições de ensino federais resistem a duras penas ao indecente corte orçamentário do Joaquim Levy, o futebol alternativo resiste às imposições do futebol-negócio moderno e por aí vai.
No que tange ao câncer que foram os 350 anos de escravidão de pretos africanos e crioulos no Brasil, a palavra resistência é quase sempre remetida aos quilombos, verdadeiras fortalezas encravadas nas matas brasileiras, objetivo último de 10 entre 10 escravos que, violentados por um sistema que o fez propriedade, arriscavam a sua vida ao fugir do jugo dos seus senhores. No entanto, no samba Nosso Nome Resistência, Nei Lopes nos mostra que aquilombar-se, ao contrário do que muitos imaginam, não era a única forma de não se submeter as agruras da escravidão:
“... teatros, fundos de quintais, candomblés
blocos, jongos, afoxés
assim também se resiste...”
Foi essse o verso que não me saiu da cabeça quando ouvi os tambores e os berimbaus na porta da igreja do Quilombo de Santana, em Quatis, onde o Pelada da Esquerda fez jogo amistoso contra o time de amigos do quilombo, nesse 20 de Novembro, dia da consciência negra.
Vi ali meninos e meninas, velhos e crianças com a pele escura como a noite lá fora, sorrindo com o rosto inteiro exibindo, num festejo sem distinção de cor, a sua dança, sua música e seu rítimo tal e qual faziam os seus ancestrais aos pés daquela mesma igreja.
O fim do jogo amistoso com o placar de 8 a 5 pro time local, não significou o fim da nossa odisséia em Quatis. O quilombo de Santana nos reservava mais. O que deveria ter sido apenas um passeio para conhecer as famílias da comunidade tornou-se uma estadia na varanda mais musical do quilombo. Seu João e aquele sorriso que se recusa a abandonar o seu rosto, nos recebe na porta com uma felicidade contagiante.
- Olha, cês fique à vontade, viu? Tem café, tem bolo. Quer leite? Tem um queijinho ali na geladeira. Quer?
E não parava mais de trazer cadeiras pra varanda. Já sabia, de certo, da quantidade de crianças que viriam pra ouvir a sua sanfona e o cavaquinho do Pedrinho. Tudo ali era muito simples, muito verdadeiro, apenas o essencial. A casa era mero detalhe bem no meio da sua roça onde a batata, mandioca, milho, banana, laranja, limão, abacaxi entre muitos outros destinam-se a subsistência das famílias do entorno.Não há comércio nem agrotóxico. Só há vida. Mas a roça do seu João, com tantos víveres, tem um limite. É só uma cerquinha de arame farpado que a separa dos olhos gananciosos dos fazendeiros locais e do seu desejo de se apropriarem do que não é seu e nem nunca será.
Seu João e o Quilombo de Santana resistem. Resistem à ambição da agroindústria e seus modernos capitães do mato travestidos de fazendeiros. Resistem a um Estado que ignora a sua existência e assim os condenam ao esquecimento, o lado frio da História.
Entre causos e calangos do nosso anfitrião sanfoneiro, ensaiamos por duas vezes, sem sucesso, a partida antes de irmos de fato. Foi difícil sair dali. Ainda deu tempo de uma confissão:
- Olha, aqui nessa terra só não dá o que não se planta. Cê tá vendo aquela bananeira lá em cima? Foi meu pai que plantou. Eu não deixo ela morrer mais é nunca!
O futebol levou o Pelada da Esquerda num chão onde resistir não é apenas mais um verbo da moda. No quilombo de Santana resistir é mais que preciso. Naquela terra onde tudo o que se planta dá, vida e resistência são uma coisa só.
Viva o Quilombo de Santana!
Avante, Pelada!"